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Conversa com Natacha Rena

1. Para você, o que é artesanato?
O artesanato é uma atividade com um elevado potencial de geração de renda e inclusão social e posiciona-se como eixo estratégico de valorização e desenvolvimento dos territórios.Gosto da idéia de dividir em algumas categorias, já pensadas pelo SEBRAE. Para citar dois exemplos, temos o Artesanato Regional, o Conceitual ou Urbano. Entretanto, tenho interesse de incentivar um debate acadêmico acerca dos limites entre arte, design e artesanato. Esta discussão não objetiva traçar novos conceitos para essas áreas da cultura, mas sim ampliar os limites impostos por categorizações pré-estabelecidas. Constatamos em nossa experiência que as fronteiras existentes entre tais categorias são fluidas, gerando espaços de intersecção extremamente ricos que, a princípio, não devem ser rotulados em categorias exclusivas para evitar uma redução do seu valor para o campo da cultura.Segundo Canclini, no livro Culturas Híbridas de 1998, seria possível avançar mais no conhecimento da cultura e do popular se abandonasse a preocupação sanitária em distinguir o que teriam a arte e o artesanato de puro e não contaminado e se os estudássemos a partir das incertezas que provocam seus cruzamentos. Assim como a análise das artes cultas requer livrar-se da pretensão de autonomia absoluta do campo e dos objetos, o exame das culturas populares exige desfazer-se da suposição de que seu espaço próprio são comunidades indígenas autosuficientes, isoladas dos agentes modernos que hoje constituem tanto quanto suas tradições: as indústrias culturais, o turismo, as relações econômicas e políticas com o mercado nacional e transnacional de bens simbólicos’.

2. Como você vê a importância do papel sócio-econômico e político do artesanato no Brasil?Acredito no artesanato de forma integrada, enquanto setor econômico sustentável, promovendo a melhoria da qualidade de vida e ampliando a geração de renda de uma parte dos excluídos da sociedade.Não se faz artesanato só pela tradição ou pelas determinações materiais e culturais do lugar. É, também, no ambiente de culturas híbridas, na invenção propiciada pelo encontro de homens comuns pertencentes a grupos heterogêneos, num projeto que pretende ampliar o repertório de produtos artesanais para os limites da arte e do design, a partir do desenvolvimento de novas metodologias para incentivar a criação de um artesanato urbano singular e tomando a cidade como laboratório vivo de pesquisa, que se espera como resultado um mix de produtos inovadores, agregados de identidades provindas de um somatório difuso de informação. Busca-se sempre, a criação de um artesanato urbano coletivo, solidário, presente nas fronteiras da arte e do design.Diferente do artesanato regional e tradicional, o artesanato urbano, mais conceitual e menos intuitivo, não se refere diretamente a uma comunidade regional específica, com afinidades em suas origens culturais ou laços familiares. Suas referências culturais são as mais diversas, conformando uma identidade mestiça: um emaranhado múltiplo de influências, característica evidente da sociedade urbana e tecnológica contemporânea.

3. Cada vez aparecem mais conceitos atuais ligados à arte do artesão que consegue unir valor estético e cultural e conteúdo social e emocional. Você poderia explicar os conceitos de responsabilidade social, economia solidária e justa e sustentabilidade no artesanato de hoje?
Numa entrevista feita a um dos maiores pensadores sobre artesanato e design no Brasil, Eduardo Barroso, perguntei sobre o conceito de Economia Solidária e sua relação com artesanato e design, na direção de tentar pensar sobre o DESIGN SOCIAL. Concordo com a resposta dele: os trabalhos de capacitação em artesanato e design mais interessantes hoje tecem trocas mútuas “O design se nutre dos repertórios autênticos, dos elementos presentes na arte popular e no artesanato. O artesão por sua vez necessita da capacidade de decodificação criativa e do conhecimento de mercado que o designer possui para criar novos produtos.”

4. Percebe-se que atualmente os objetos não somente úteis, nem apenas belos, mas que também estão carregados de outros significados – símbolos da memória de um lugar ou de um grupo de pessoas para apenas citar dois exemplos. Você acredita que a produção artesanal vai de encontro com estas tendências?
Além da dimensão estética, pode-se estabelecer como ponto fundamental de diálogo entre a arte, o design e o artesanato – o processo criativo, destacando-se de imediato a concepção conceitual das peças criadas. O que existe de novo é a recuperação da vitalidade criativa do artesanato através desse contato artesão-ambiente urbano, o que leva a uma fuga forçada da repetição de formas tradicionais da atividade artesanal. O trabalho artesanal fica inserido num contexto de produção cultural onde há uma ampliação das definições de artesanato. Antes, portanto, é preciso diferenciar o artesanato regional, de raízes tradicionais e familiares, do artesanato urbano, produto de influências estéticas e tendências de naturezas mais variadas.O artesanato regional possui algumas características marcantes e particulares que, de fato, são determinantes para a sua importância cultural e social, e entre elas está a reprodução de formas oriundas da herança tradicional. Aqui existe valor na repetição justamente porque o que se reproduz são as memórias familiares e culturais de uma comunidade, representando a manutenção da tradição e de valores éticos e sociais. Esse tipo de artesanato reforça os laços comunitários e mantém viva a identidade cultural de um grupo, demarcando espaços sociais e geográficos. Neste caso, a relação com o território propriamente dito, ou seja, o espaço geográfico da produção artesanal, atua como determinante na escolha dos instrumentos de trabalho e das matérias-primas. O que vemos neste tipo de produção artesanal é uma relação econômica estabelecida a partir da cultura e da natureza locais. Esta criação tradicional repete formas para recontar histórias de uma determinada cultura e atua reafirmando os laços entre os seus integrantes.Num ambiente urbano metropolitano não existem estas características regionais. Encontra-se aqui, portanto, o artesanato urbano, ou como proposto pelo SEBRAE para o Termo de referência do PSA - Programa Nacional de Artesanato, o Artesanato Conceitual. Este artesanato conceitual se resumiria, segundo o SEBRAE, a objetos produzidos por pessoas geralmente de origem urbana, resultante de um projeto deliberado de afirmação de um estilo de vida ou afinidade cultural. A inovação seria o elemento principal que distinguiria este artesanato das demais categorias. Por detrás destes produtos existe sempre uma proposta, uma afirmação sobre estilos de vida e valores, muitas vezes explícitos através dos sistemas de promoção utilizados.A riqueza paradoxal deste artesanato urbano o insere no campo das culturas híbridas apontado por Canclini ao pensar de forma mais genérica a produção artística, artesanal ou popular nos países da América Latina. Estes países latinos seriam, segundo o autor, pátrias do pastiche e do bricolage, onde se encontram, há séculos, muitas épocas e estéticas pós-modernas. “Nem o ‘paradigma’ da imitação, nem o da originalidade, nem a ‘teoria’ que atribui tudo à dependência, nem a que preguiçosamente nos quer explicar pelo ‘real maravilhoso’ ou pelo surrealismo latino-americano, conseguem dar conta de nossas culturas híbridas” (Canclini, 1998: 24). Mas, se no próprio universo amplo da produção artesanal brasileira tradicional já encontramos uma gama de produtos diferenciados formando um conjunto rico de produtos característicos de lugares e comunidades, em projetos que partem de grupos urbanos heterogêneos, como é o caso do Sempre Savassi, assiste-se a uma profusão criativa de estéticas onde o novo aparece exatamente onde não há pureza da tradição. Materiais, técnicas e novos temas potencializam a produção de um artesanato rico e coerente com os costumes e hábitos da sociedade contemporânea.Isto nos ajudaria a pensar a produção do artesanato urbano como presente no campo expandido do artesanato, produto cultural das metrópoles atuais: entre a arte contemporânea, o design de produtos, de moda, de interiores ou gráfico; entre a arte popular e a tradicional; entre técnicas diversificadas que aglutinam conhecimentos advindos de tradições distintas.Tendo em vista este quadro, onde residiria então o valor estético desses produtos artesanais que já não refletem mais nossas tradicionais raízes? Falamos agora de grupos de artesãos que se reúnem em torno de uma atividade comum, aproximados não por laços sanguíneos ou comunitários, mas por necessidade de formalização e ampliação da sua atividade produtiva, busca de suporte técnico e infra-estrutura para o desenvolvimento de um trabalho rentável. Os grupos de artesãos participantes deste projeto muitas vezes têm uma ligação específica com alguma região da cidade ou com alguma questão social compartilhada, mas não há no trabalho de nenhum deles a herança da tradição, seja ela familiar ou comunitária. O que forma e mantêm unidos esses grupos são antes questões econômicas ou problemas de exclusão social.

5. Você defende intervenções na cadeia de produção do artesanato, como é o caso do artesanato de referência cultural?
Porque e como seria isso?Uma metodologia eficaz para o desenvolvimento de capacitação em artesanato que tenha sustentabilidade surge do entendimento de que só é possível induzir grupos a criar o novo quando se constrói um vasto repertório (informações, conceitos e instrumentalização), através do qual os participantes possam compreender a situação atual da arte, do design e da cultura contemporânea e que sejam capazes de, a partir daí, desenvolver futuras coleções de produtos sem a dependência da instrução de designers e artistas.

6. De onde vem seu interesse pelo artesanato?
Na verdade, nunca tinha desenvolvido nada relacionado com artesanato, e até tinha um certo preconceito pois conhecia muito mais o que vem sendo divulgado como artesanato local tradicional - coisas do interior, bem ingênuas, coloridinhas e até meio capengas que, a princípio, só combinam com casas de campo, casas de praia, ou com casas meio hippies mesmo. Hoje gosto mais de artesanato do que de design ou arquitetura porque descobri uma potência subversiva nestas artesanias. Estas são muito abertas às singularidades, às trocas, aos erros e desvios, aos cruzamentos de jeitos de fazer e materiais diferentes. Descobri a delícia de aprender a bordar, fazer crochê e trocar receitas.

7. Como é o seu trabalho com artesanato ou com a rede de pessoas que envolve esta atividade?
Eu, particularmente, trabalho com pessoas hoje, em Belo Horizonte, que fazem parte de grupos com alto risco de vulnerabilidade social, moradores de favelas, que necessitam de incremento de renda, ou até mesmo, de iniciar uma vida econômica para sair da zona de pobreza. São pessoas que não possuem técnicas artesanais apuradas e que pretendem aprender um ofício qualquer. Nestes casos, além de incentivarmos a inventividade e a pesquisa, precisamos trabalhar a auto-estima, o reconhecimento das particularidades do contexto social e cultural em que vivem e mostrar-lhes a enorme potencialidade que um ambiente precário e aparentemente hostil pode oferecer aos processos criativos. Estabelecemos também parcerias com instituições como o SEBRAE, grupo Pólos, dentre outros, que possam nos auxiliar a formá-los gestores, empreendedores e finalmente empoderá-los, não somente para autonomia criativa (que diz respeito aos designers diretamente), mas também às questões ligadas à gestão e comercialização de seus produtos. Ultimamente, estamos percebendo que o enorme gargalo destes projetos de capacitação em artesanato e design, está no momento em que os artesãos precisam se organizar, formar uma associação ou cooperativa e comercializar os produtos. O que geralmente ocorre, é que eles produzem belas coleções, com qualidade material, estética e valor agregado, mas não possuem estratégias adequadas para emplacar produto no mercado e é, por este motivo, que acho cada vez mais necessário parcerias com grupos que possam formar parcerias, onde todos ganham: empresa, ong, grupo de design, lojistas e também o artesão. É preciso pensar mesmo numa rede.

8. Seria possível apresentar alguns dos trabalhos que você já desenvolveu ou está desenvolvendo nesta área?
O primeiro projeto desenvolvido - TÁTICAS DE SOBREVIVÊNCIA - contou com a participação da professora Cássia Macieira e de 5 alunos dos cursos de Design e de Arquitetura e Urbanismo da FUMEC, e foi realizado em 2003/2004. Nesta pesquisa, desenvolvida em comunidades com alto índice de vulnerabilidade social, realizamos um vasto levantamento de inventos - resultados das táticas e estratégias de sobrevivência - dos moradores da Vila Ponta Porã, favela pertencente à região central da cidade de Belo Horizonte. Percebemos que a partir da urgência para sobreviver, os habitantes das favelas produzem design e arquitetura de forma super inventiva, devido a imediaticidade que solicita improvisação – criação não planejada. O resultado foi a apreensão de formas particulares de habitar e sobreviver destes moradores, que constroem um universo mágico de “gambiarras” produzindo artefatos que esbarram nos limites da arte e do design.Em 2005, começamos o projeto de extensão intitulado SEMPRE SAVASSI DESIGN E CULTURA, projeto realizado as professoras do Curso de Design da FUMEC, Cássia Macieira e Juliana Pontes. Este projeto envolveu diversas comunidades de artesãos e parcerias com instituições como CDL e SEBRAE e o desenvolvimento de uma pesquisa conceitual consistente sobre questões como artesanato e suas relações com a arte e o design. Esta investigação resultou na criação de um conceito chave: o de Artesanato Urbano, detalhado anteriormente.No ano de 2006 foi desenvolvido o trabalho ARTESANATO SOLIDÁRIO NO BARREIRO, com a participação da aluna Sara Martinho. Este projeto de extensão foi baseado na capacitação em artesanato e design voltada para grupos de terceira idade. O intuito era oferecer melhoria na qualidade dos produtos artesanais já desenvolvidos pelos grupos existentes na região do Barreiro e para tal ocorreu a integração a outros dois projetos coordenados por professores do Curso de Administração da FUMEC. O projeto teve a intenção de desenvolver uma coleção temática de almofadas. O resultado efetivo do trabalho culminou numa coleção temática de 10 almofadas (9 quadradas e uma circular): Coleção 9 + 1. O tema Memória foi um fio condutor de todo o processo de criação possibilitando a elaboração de uma pesquisa conceitual mais ampla e comum a todas as artesãs. Ao mesmo tempo elas foram incentivadas a criaram almofadas com temas singulares, relacionados com a história pessoal de cada uma.Outra atuação satisfatória foi a nossa participação no Projeto RONDON realizado semestralmente pelo Ministério da Defesa. Neste trabalho, desenvolvemos uma metodologia específica para atuarmos em projetos de curto prazo em cidades no interior do país. Nossa equipe, formada para atuar com diversas ações nas cidades de Assis Brasil e Jequitaí, focou na Capacitação em Artesanato como forma de geração de renda para as comunidades. Em Assis Brasil, cidade tríplice fronteira (com Peru e Bolívia) no Acre, iniciamos um processo de capacitação em artesanato e design desenvolvendo parte das atividades das nossas oficinas voltadas exclusivamente para o design de produtos e mobiliário em bambu.Já em Jequitaí, norte de Minas, desenvolvemos um projeto de capacitação em artesanato onde o tema adotado para o desenvolvimento da coleção JEQUITAÍ TAQUI foi a própria cidade e suas peculiaridades sertanejas: rio, garimpo, pesca, lavadeiras, cerrado, casarios, religiosidade, mapas e ruas. A força expressiva dos produtos foi resultado de um trabalho que revelou tanto as singularidades de cada uma das artesãs quanto a contaminação mútua de um intenso trabalho coletivo. Esta ação serviu de oportunidade para a comunidade jequitaense resgatar a cultura local através de processos criativos inovadores e materializá-la em produtos singulares que possam gerar renda para parcela da população sem nenhuma perspectiva de melhoria de qualidade de vida.Como reconhecimento máximo do nosso esforço em desenvolver trabalhos de inclusão social através de programas de pesquisa e extensão na Universidade FUMEC, fomos selecionados com o projeto ARTESANATO SOLIDÁRIO NO AGLOMERADO DA SERRA - ASAS. Este projeto procura estabelecer um processo sustentável de geração de renda no Aglomerado da Serra e o objetivo é implementar ao longo de um ano uma metodologia de criação para capacitar cerca de 30 pessoas da Escola Municipal Padre Guilherme Peters (dentre eles estudantes jovens e adultos e funcionários), para o desenvolvimento de processos criativos visando a confecção de produtos artesanais utilizando a técnica da estamparia como camisetas, chaveiros, cadernos, agendas e bolsas. As atividades serão desenvolvidas em parceria com a professora de design gráfico Juliana Pontes, do funcionário da estamparia Éder Almeida e com alunos dos cursos de design, psicologia e direito, o que contribui para o desenvolvimento interdisciplinar dessa atividadeDepois de alguns sucessos estéticos em projetos que nos envolvemos acompanhados de péssimos resultados comerciais, eu e uma colega que vinha desenvolvendo diversos projetos comigo, Joanna Sanglard, resolvemos parar de sofrer com o triste desfecho e resolvemos criar uma empresa para trabalhar com produtos sócio-ambientais. Às vezes desenvolvemos apenas produtos autorais, às vezes trabalhamos com a capacitação do grupo e estabelecemos parcerias para tentar emplacar os produtos destes grupos de artesanato no mercado. Na verdade, estamos oficializando este trabalho agora com a empresa HIBRIDA (
http://www.hibridadesign.com/).

NATACHA RENA - Arquiteta Urbanista, Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC SP, Professora dos Cursos de Design e de Arquitetura e Urbanismo da FUMEC, Diretora de Projetos Especiais do Instituto dos Arquitetos do Brasil-MG
natacharena@hotmail.com

RENA, Natacha. Conversa com Natcha Rena. 2009. disponível em:
http://bancadedesigntextos.blogspot.com/search/label/NATACHA%20RENA%20.%20BHZ%20.%20BRASIL