Se você estiver usando algum navegador diferente do Internet Explorer talvez alguns links estejam abaixo do menu neoartesanatourbano.blogspot.com: O artesanato entre a arte e o design

O artesanato entre a arte e o design

Bruna Roque
Estudante de Arquitetura e Urbanismo do Unileste-MG, orientanda da Pesquisa de Iniciação Científica Discussões sobre o neo-artesanato urbano: entendimento e avaliação dos objetos e seus sistemas de circulação.

Carla Paoliello
Arquiteta urbanista, doutora em Engenharia de Estruturas pela Universidade Federal de Minas Gerais, professora do curso de Arquitetura e Urbanismo do Unileste-MG.


O artesanato não quer durar milênios, nem está possuído da pressa de morrer prontamente. Transcorre com os dias, flui conosco, se gasta pouco a pouco, não busca a morte ou tampouco a nega: apenas aceita este destino. Entre o tempo sem tempo de um museu e o tempo acelerado da tecnologia, o artesanato tem o ritmo do tempo humano. É um objeto útil que também é belo; um objeto que dura, mas que um dia, porém se acaba e resigna-se a isto; um objeto que não é único como uma obra de arte e que pode ser substituído por outro objeto parecido, mas não idêntico. O artesanato nos ensina a morrer e, fazendo isto, nos ensina a viver
(SEBRAE, 2004).

Discutir artesanato, hoje, é falar de expressão, cultura e mercado. É falar do resgate da identidade regional, valorizando as tradições de um povo, adverso a massificação e uniformização dos produtos industriais. Espera-se de um produto artesanal que ele revele suas origens e que suas técnicas agreguem valor e autenticidade aos objetos tornando-os diferenciados e originais.

Porém este não é o artesanato encontrado nas feiras e mercados populares. Com produção cada vez mais homogênea e pasteurizada, os objetos apresentados estão carregados de um falso tradicional e com produção em série.

É certo que para conseguirmos a continuidade dessa atividade é preciso renovar-se junto à sociedade, caso contrário esta será esquecida.

A tradição não é inteiramente estática, porque ela tem que ser reinventada a cada nova geração conforme esta assume sua herança cultural dos precedentes. Ao adquirir a prática material, o artesão a reelabora de acordo com a sua realidade social, mesmo que ela carregue normas legitimadas pelo tempo (processo de formalização e ritualização), até porque a experimentação estética constitui-se em um ato individual (subjetivo) de percepção e resignificação (GIDDENS, 1991).
Quem também nos conduz a pensar que a tradição acompanha as mudanças sociais é BORNHEIM (1987) que a define como um conjunto de valores criados pela sociedade e que, portanto, sofre mutações na medida em que homem se modifica. O artesanato “tradicional” é fruto de um saber cujas técnicas e signos, que foram amadurecidos e aceitos pelas pessoas através das sucessivas apresentações e reelaborações.

Acredita-se que associar o design e a arte ao artesanato é uma forma de alterar o rumo da produção atual, avaliando seu sistema de produção, readequando-o à demanda e expectativa do mercado e associando aos produtos a postura crítica e expressiva particular da arte.

Entende-se aqui, design não apenas o produto acabado, mas todo o processo da concepção do produto e análise de tendências futuras, modos de vida, costumes e novas crenças para o desenvolvimento do homem e seus objetos.

Entretanto, enquanto a produção industrial acompanha a modernidade, determinando um ritmo, funcional, estético e econômico à vida cotidiana; a produção artesanal busca, nos fazeres da tradição, o sentido da continuidade. Enquanto a técnica mecânica da indústria torna os objetos idênticos, a técnica artesanal os diferenciava, produzindo objetos únicos.

E é, na transformação respeitosa do artesanato, que entra o papel dos designers (BORGES, 2002). Ao apresentar o conceito de mercado e consumo, analisar o sistema de produção para propor melhorias, avaliar as técnicas e materiais envolvidos, além de entender os aspectos ergonômicos e de desenho universal, o design conseguirá modificar o artesanato para que este sobreviva no mundo atual, sem perder sua riqueza e a diversidade regional.

É interessante pensar na contribuição do designer para a produção do artesão e também do caminho inverso, ou seja, na contribuição do artesão na formação do designer. A manualidade, os segredos e gestos da memória do saber na construção dos artefatos são tão importantes quanto os fatores ergonômicos, perceptivos, tecnológicos e econômicos.

Já a arte terá outro papel fundamental quando associada ao artesanato. Sua colaboração acontecerá principalmente na área da expressividade e busca de identidade da produção. Na definição de COSTA (2004), “o artesanato é o fazer e reside no fazer a própria definição de arte”. Mas o que fazer e porque fazer são questões que deveriam ser recorrentes no trabalho dos artesãos.

Conforme afirmado por Joseph Beuys (ARCHER, 2001), “se eu produzo alguma coisa, transmito alguma mensagem para alguém”. O entendimento do sistema econômico, político e social, o significado da produção realizada, a história cultural de um povo e as conexões com a vida cotidiana são pontos a serem explorados pelo artesanato. Ao inserir, nas obras a serem feitas, um olhar crítico, intuitivo e questionador será possível obter, ao final, uma produção artesanal mais expressiva e particular.

No Brasil, têm sido cada vez mais promovidas iniciativas para a inclusão social, potencializando suas vocações produtivas. Abaixo, apresentamos em destaque algumas destas ações.

O projeto principal que visa à renovação e valorização artesanal é o Programa SEBRAE de Artesanato que tem como desafio promover a articulação dos diferentes atores que integram os Arranjos Produtivos Locais e criar uma ambiência que favoreça o surgimento e fortalecimento de micro e pequenos negócios na agenda das localidades e/ou regiões. Busca-se um desenvolvimento que integre, de maneira sincrônica, as dimensões sociais, econômicas e cognitivas. O programa contribui para fomentar o artesanato de forma integrada, enquanto setor econômico sustentável que valoriza a identidade cultural das comunidades e promove a melhoria da qualidade de vida, ampliando a geração de renda e postos de trabalho.

O SEBRAE defende que entre as cadeias produtivas vocacionadas do Brasil, o artesanato tem elevado potencial de ocupação e geração de renda em todos os Estados, posicionando-se como um dos eixos estratégicos de valorização e desenvolvimento dos territórios.

O projeto ASAS - ARTESANATO SOLIDÁRIO NO AGLOMERADO DA SERRA, iniciou-se como projeto de extensão da Universidade FUMEC, no intuito de capacitar um grupo de alunos, pertencente ao Aglomerado da Serra em Belo Horizonte. Foi desenvolvido um trabalho de criação de produtos manufaturados com possibilidade de comercialização em mercados consumidores proeminentes – como feiras e eventos nacionais –, além dos locais com possibilidades de venda de produtos com alto valor agregado. Era também objetivo do programa, iniciar uma rede de sustentabilidade e economia solidária, melhorar a condição econômica e a inserção social para diminuir os índices de violência local.

O projeto adotou uma metodologia na qual só é possível induzir grupos a criar o novo ao se construir um vasto repertório através do qual os participantes possam compreender a situação atual da arte, do design e da cultura contemporânea e que sejam capazes de, a partir daí, desenvolver futuras coleções de produtos sem a dependência da instrução de designers e artistas.

As coleções de produto artesanal são desenvolvidas de maneira que se relacionem culturalmente de forma direta com o universo do Aglomerado da Serra. Mas, ao mesmo tempo que reforçam o contexto local do projeto nos temas escolhidos para as estampas, a concepção da linha de produtos está também ligada ao pensamento.

A Associação COM-VIVER é uma organização não-governamental, reconhecida como instituição de interesse público, que trabalha na qualificação e valorização das famílias do bairro Nova Esperança em Ipatinga. A Associação se iniciou para criar um novo lugar para o desenvolvimento das crianças que moram nas regiões carentes da cidade, oferecendo um conjunto de atividades psicopedagógicas com foco na evasão escolar e nos problemas de aprendizagem. Paralelo a este trabalho, eram desenvolvidas atividades artísticas, manuais e socioculturais e oficinas profissionalizantes para as mães, proporcionando melhoria na qualidade de vida destas famílias. Atualmente, uma parceria entre, COM-VIVER, Banca de Design e o curso de Arquitetura do Unileste-MG, vem sendo desenvolvidos produtos autênticos e expressivos, interrelacionando a cultura local com a regional.


O trabalho realizado na Associação não se limita somente a ensinar a bordar, mas a gerar uma possibilidade de verbalização, uma maneira de contar a história de vida e do cotidiano de cada uma das bordadeiras através de agulhas, linhas e panos. O projeto FOTOGRAFIA BORDADA, por exemplo, é um processo que inicia-se na pesquisa de lugares de referência na cidade Ipatinga e no ensinamento dos princípios básicos da fotografia digital para a comunidade do Nova Esperança. O processo consiste em fotografar a cidade, para se obter o registro de lugares, usos e costumes e se construir uma memória local e de vivência com cada uma das bordadeiras. Ao final, as fotografias são transformadas, através de softwares de edição de imagens, em desenhos para serem bordados.



Além destes, outros exemplos poderiam ser aqui apresentados. Em um país onde a maior parte da produção nacional não é proveniente da indústria de alta tecnologia o diálogo entre design, arte e artesanato, deverá se tornar cada vez mais possível. Acredita-se que a relação, destes universos será capaz de contribuir para o processo de renovação cultural nacional. E talvez, esteja neste processo a solução para a afirmação de nosso artesanato e a recuperação de nossa cultura do saber fazer.

Referências:

ARCHER, Michael. Arte Contemporânea. Uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 263 p.
BORNHEIM, G. A. O conceito de tradição. In: BORNHEIM, G. A. et al. Cultura Brasileira: tradição e contradição. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Funarte, 1997. 145 p.
BORGES, A. Design não é personal trainner e outros escritos. São Paulo: Rosari, 2002.
COSTA, Flávia Nacif da. Uma reflexão sobre o design como reativador da experiência espacial. 2004. Textos Especiais - Vitruvius. Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/assunto/assunto_design.asp
GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: Unesp, 1991. 177 p.
SERVIÇO BRASILEIRO DE APOIO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS. Programa Sebrae de Artesanato. Termo de referência. Março de 2004.